segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

YouTube Life The Vogelkop Bowerbird Nature's Great Seducer BBC One


Estou começando a ler o livro Estética e Biossemiótica, de Edgar Roberto Kirchof, publicado pela Edipucrs, e me lembrei desse vídeo de um pássaro australiano que seduz sua fêmea não só pelo canto, mas principalmente pelos ninhos extremamente elaborados que ele constrói. É interessante ver como o animal parece analisar e escolher as cores das flores, folhas e frutinhas que ele coloca para exibição, bem como a posição delas. É como se fosse um artista montando sua exposição de arte. E talvez seja, em termos, exatamente isso. A fêmea escolhe o macho que constrói o ninho mais bonito, que mais lhe agrada "esteticamente", assim podemos dizer. Portanto, há não só um artista fazendo arte, como um público, apreciando essa arte. A primeira vista, não há nenhum tipo de critério utilitário, como muitas vezes prevalece no reino animal. O ninho não será usado para mais nada a não ser o ato do acasalamento, pois após a cópula, a fêmea vai embora para por os ovos e criar os filhotes sozinha. Ou seja, tanto para o macho, que constrói seu "vernissage", quanto para a fêmea que escolhe a mais bela mostra (ela chega a percorrer e "apreciar" cerca de 40 ninhos), o que importa é mesmo a beleza estética: a armação dos galhos, as escolhas dos outros elementos que serão por ali distribuídos e as cores. O que não exclui totalmente o cirtério utilitário, pois o macho constrói belos ninhos com a utilidade de conquistar a fêmea, e esta, por sua vez, sabe que ao escolher aquele macho seus filhotes terão mais chance de procriar, pois provavelmente também construirão belos ninhos. No entanto, é melhor não ter uma uma visão reducionista que exclui a beleza maior desse processo que envolve toda uma capacidade muito próxima daquilo que chamamos de estética e que tendemos a achar ser exclusiva do ser humano.

Na verdade, essa questão de ser algo puramente estético ou apenas utilitário está diretamente ligada ao que se explica nas primeiras seções do livro referido. Nele lemos como a etologia começou a pesquisar questões relacionadas à estética tanto no mundo animal quanto humano, mostrando a possibilidade de existir uma base cognitiva inata tanto em animais como em seres humanos que lhes daria um impulso artísitco. Sendo assim, os impulsos que levariam o ser humano a produzir e apreciar arte não seria algo exclusivo nosso, e teria base também biológica e não só cultural. Um desses cientistas (Desmond Morris) acredita inclusive que, no princípio, o impulso do homem primata para a arte (como as pinturas em cavernas) era de base cognitiva e utilitária (serviam como forma de registro, comunicação e faziam parte de rituais mágicos-religiosos que ajudavam na caça), mas que junto a isso havia também a função estética. Ora, e é justamente o mesmo que vemos aqui nesse pequeno Bowerbird. Ao construir seus belos ninhos, que agradam até mesmo o nosso gosto estético, há certamente uma base utilitária e cognitiva, mas há também uma função estética, já que esse ninho não irá influenciar em nada na sobrevivência do pássaro ou na proteção dos ovos.

Essas pesquisas que a etologia fez, e ainda faz, na área da estética sofrem muitas críticas no âmbito acadêmico e científico, por parte daqueles que não aceitam que a função estética possa ter alguma base biológica e não ser meramente cultural. É claro que tais pesquisas não são definitivas, como bem explica o autor, mas elas tmbém não pretendem reduzir a estética ao mero bilogismo. O que elas mostram, assim como esse pequeno pássaro, é que a discussão sobre a arte e a estética continua em aberto, e não pode ser colocada dentro da questão do mero gosto pessoal e seu reducionismo do "gosto não se discute". Algo que muitas vezes impede o desenvolvimento e o aprendizado de crianças e jovens quanto à arte, já que o relativismo do gosto subjetivo acaba encobrindo algo verdadeiro: existe sim coisas belas independente do gosto pessoal (o que não exclui este último), e elas devem ser apresentadas, estudadas e discutidas. Assim como para este pássaro, a arte, para os homens, não é mero prazer, mas tem também sua utilidade e precisa ser exercida, precisa ser exercitada, precisa ser estudada e ensinada; aprender a gostar está na nossa base genética; ficar no mero não "gosto e ponto" empobrece essa nossa capacidade.

Acho que tanto o Bowerbird quanto os estudos na área da etologia estética nos ajudam a encarar a estética e, consequentemente, a arte, de modo mais sério, do modo como deveria ser. Acabar com a preguiça e o conforto do mero subjetivismo do gosto para encarar uma boa e intricada discussão sobre a beleza é algo que precisa ser mais exercitado, e, mais ainda, ensinado para as novas gerações.