Então, mais um texto relacionado ao momento atual que nós estamos vivendo. Já me posicionei, no post anterior, quanto ao rumo que os movimentos estão tomando e o que pode ou não acontecer. Agora, me chamou a atenção o fato da disseminação do uso da máscara do V de Vingança tanto nos protestos, quanto numa imagem da internet em que ela se funde com a bandeira do Brasil. Fiquei pensando, será que as pessoas sabem mesmo o que significa essa máscara? Acho que ela daria um belo trabalho de... nem sei direito do que, acho que de sociologia, ou história, ou comunicação social. Enfim, alguém podia estudar mais a fundo o uso dessa máscara através da história, porque ela vem sendo ressignificada a a cada novo uso, pois desde seu "uso" original (o dono do verdadeiro rosto) até os dias de hoje ela não é mais a mesma coisa. Portanto, achei legal dar uma olhada numa breve história desse rosto para quem interessar possa, e para saber se a significação que queremos dar a ela hoje, nos nossos movimentos, é mesmo válida.
Pra começar, vocês sabem que é o dono original da máscara? Não, não é o revolucionário anônimo da Graphic Novel do Alan Moore, mas um inglês do século 17, de nome Guy Fawkes (aliás, o nome dele é muito legal, parece personagem de fcção, não?), que, sendo um católico fervoroso, lutou a favor da Espanha quando a Holanda se declarou protestante e quis sai sob o julgo do império Espanhol. Depois disso, ele se juntou a um grupo de católicos jesuítas ingleses que, contrários ao reinado de James I, que era protestante, planejavam explodir o parlamento no dia do discurso do rei (ele se pronunciava semanalmente no parlamento, com datas marcadas com antecedência). Como Guy era um cara forte, com habilidades bélicas (devido a sua participação na guerra pela Espanha) e especialista em explosivos, ele ficou encarregado de cuidar dos barris de pólvora que o grupo iria colocar sob o parlamento e de detonar a pólvora. Pois bem, eles já tinham até mesmo conseguido por a pólvora lá, mas foram denunciados por uma carta anônima que entregou o plano deles. No dia 5 de novembro de 1605, Guy foi capturado enquanto cuidava da pólvora. Preso, ele foi torturado até entregar os outros conspiradores. Condenado à morte, ele preferiu se enforcar, quebrando seu pescoço, antes da execução oficial, que seria por mutilação.
Esse episódio ficou conhecido como a Revolta da Pólvora. Até hoje, na Inglaterra, é celebrado o dia da sua captura na chamada Noite das Fogueiras, em que se queimam bonecos do Guy Fawkes. Isso mesmo! Celebra-se a sua captura, não a sua tentativa "heroica" de acabar com um rei pura e simplesmente para colocar uma rainha que era da sua denominação religiosa. Ninguém se engane achando que o rei James era um tirano terrível e déspota, e que os participantes dessa revolta era pessoas que lutavam por um futuro melhor. Desentendimentos religiosos existiam na Inglaterra desde a época da reforma, quando um movimento muito grande de protestantes queriam fazer o reino se tornar protestante. Houve muita perseguição contra eles. Depois que a Inglaterra rompeu com Roma (no reinado de Henrique VIII), houve períodos de muita tensão por causa da reforma da igreja na Inglaterra. Porém, durante o reinado de James I, apesar de haver certa repressão política sobre os católicos, que constantemente tentavam tirar o rei do poder, havia liberdade religiosa e eles podiam professar sua fé e ter seus cultos.
Então, primeiro ponto, Guy Fawkes não era herói revolucionário, lutando contra opressão, corrupção, totalitarismo, nem nada disso. Na verdade, provavelmente, do ponto de vista histórico, o herói aí muito provavelmente era o "anônimo" que mandou a carta denunciando o plano do grupo de Guy.
Pois bem. Depois disso, o rosto de Guy, ou pelo menos o rosto que vemos nos desenhos e pinturas da época, se tornou a máscara daí sim de um revolucionário anonimo, lutando contra um governo totalitário, opressor, que domina a Inglaterra em um futuro distópico. Porque Moore, o autor de V de Vingança, escolheu esse rosto eu não sei, nunca li a Graphic Novel. Mas há uma entrevista dele em que diz: “Aquele sorriso é tão assustador. Tentei usar a natureza enigmática desse sorriso para efeito dramático. Podíamos mostrar uma imagem do personagem apenas parado em pé, silencioso, com uma expressão que podia ser de alegria ou de maneira mais sinistra." (http://www.sul21.com.br/jornal/2011/11/criador-da-mascara-de-v-de-vinganca-comenta-ocuppy-wall-street/). Me parece, então, uma escolha muito mais estética, pra criar efeito.
Porém, essa máscara começou a ser usada em 2008 por manifestantes do movimento Anonymous (que não é um movimento revolucionário culinário encabeçado pelo Anonymus Gourmet), que é um meme de internet que surgiu no canal 4chan do imageboard. Entendeu? Não? Tudo bem, de primeira eu também não. Mas vamos lá. Sabe o facebook, o twitter, o finado orkut? Pois é. São as tais redes sociais. O imageboard é um tipo de rede social, mas muito mais simples, não exige cadastro, não mantém histórico das publicações e começou como fórum de discussão de mangás e coisas da cultura japonesa. O 4chan é um tipo de imageboard, ou seja, uma página (www.4chan.org) com vários canais em que você entra, põe um nome qualquer, um título da tua publicação e manda uma foto com algum texto. Coisas rápidas e simples. Pois bem, o Anonymous é um (ou vários, sei lá) que entrava lá e publicava coisas. A coisa começou assim e depois se tornou uma especie de comunidade online, que se diz não só anônima, como descentralizada, que atua de modo coordenado em torno de objetivos livremente escolhidos, ligando-se, posteriormente, ao hacktivismo (atividade de usar as habilidades hackers pra fazer ativismo político), ajudando em protestos ao redor do mundo em diversas causas, mas sempre buscando os direitos do povo diante de seus governos.
Assim, o movimento começou a aparecer em diferente protestos ao redor do mundo a partir de 2008, numa agenda que vai desde participação em protestos contra a Igreja da Cientologia a participação em primavera árabe, passando por apoio ao cara do Wikileaks e ao movimento Occupy. É aí que começa a aparecer a máscara do V de Vingança. Os integrantes do Anonymous usavam a máscara, a meu ver, buscando a ideia de anonimato, que é uma das características do personagem da HQ (curiosamente há uma interessante ironia aqui, pois o herói original, que denunciou o Guy Fawkes era anônimo, agora o Anonymous usa a cara do Guy Fawkes, claro que é só uma livre associação que eu fiz, mas não deixa de ser divertido pensar nisso). O interessante é que essa ideia de movimento sem puta definida, atuando em diversos movimentos às vezes gera certas contradições, como por exemplo, usar a máscara do V, num protesto como a Occupy, que é contra grande corporações financeiras, quando cada vez que se compra uma máscara dessas você paga royalties a Time Warner, que é uma das maiores corporações da área do entretenimento e comunicação.
Outra coisa que me chamou a atenção foi uma declaração do Moore, na mesma entrevista, quanto ao uso da máscara nesses movimentos do Anonymous: “O último capítulo de V de Vingança se chama Vox Populi. A voz do povo. E acho que, se a máscara significa algo no contexto atual, é isso. É o povo, essa entidade misteriosa que com frequência é evocada”.
Bom, pode ser que isso pro Anonymous seja legal e o que eles querem. Afinal, o movimento realmente não tem filiação ou ligação a nenhum país, nenhum movimento específico, mas apoiam a vários movimentos em diferentes países.
Porém, o que eu me pergunto é qual de todas essas imagens os nosso movimentos estão querendo passar? Pode ser que o uso da máscara e a imagem da máscara fundida na bandeira do Brasil seja apenas para mostrar que o movimento Anonymous está apoiando os movimentos aqui, mas, de todo jeito, começou a dar um rosto ao movimento, mesmo que simbólico (o que é ainda mais forte, pois os símbolos são importantes elementos de motivação e união), ainda mais quando se junta esse rosto à nossa bandeira. Agora me responda: qual dos significados aqui apresentados você está querendo dar quando usa essa máscara no movimento ou quando compartilha a foto da máscara com a bandeira, ou ainda usa ela no seu perfil? Do Guy Fawkes que tentou matar um rei protestante pra colocar uma rainha católica no lugar? De um revolucionário anônimo e guerrilheiro contra um governo autoritário? Ou de um movimento anônimo, descentralizado, que apoia várias causas livremente? Será que queremos mostrar que é o "povo, essa entidade misteriosa que com frequência é evocada"? Lembre que algumas vezes na nossa história o povo foi evocado: em uma não tinha pauta definida, apenas uma insatisfação contra tudo e contra todos, e o resultado foi uma ditadura. Nas outras duas, tinham reivindicações bem definidas: "diretas já" e "impeachmant do Collor". Qual estamos seguindo aqui? E assim mesmo, lembrem que esses dois últimos movimentos tinham rostos bem definidos, não havia anonimato. Acho que mostrar a cara, mostrar quem está pedindo e o que está pedindo é imprescindível a qualquer movimento que se pretenda pacífico, político e democrático, afinal, anonimato não tem nada a ver com democracia.
Portanto, pra quem serve o anonimato nos nosso protestos? Pra mim não serve, e pra você? Se não serve também, então cuida com a máscara que estas usando e o rosto que você está dando ao movimento.
sábado, 22 de junho de 2013
sexta-feira, 21 de junho de 2013
Minha humilde opinião
Primeiro quero dizer que nunca fui contra os protestos e continuo não sendo, mas...
Acho que a coisa se desvirtuou. Os 0,20 centavos foram a gota d'água que transbordou o copo, mas agora o copo entornou e a água se espalhou sem rumo certo.
Tá ficando uma coisa sem foco, sem reivindicação possível. Querem protestar contra o que? RBS (no caso aqui de Porto Alegre)? Então deixem isso bem claro e foquem nisso. Agora, querem fazer protesto político, então deixem a RBS e protestem por coisas palpáveis. O movimento que começou apartidário, que significa liberdade de qualquer partido participar (imaginem que força teria um movimento que tivesse lado a lado bandeiras do PSTU, PSOL, PT, PSDB, PMDB e outros. Os próprios partidos iriam perceber que precisam mudar), se transformou em anti-partidário, e isso, junto com essa história de fora Dilma e contra a corrupção é um discurso vazio e, acima de tudo, perigoso. Por favor, qual é o único sistema político que é anti-partidário? Isso mesmo, totalitarismo. É isso que querem? Ou querem uma reforma política pra acabar com as coligações partidárias e o coeficiente eleitoral? Porque isso sim é um primeiro passo pra diminuir a corrupção.
Todo mundo sabe que os grandes meios de comunicação são tendenciosos e controladores, quem ainda acredita neles e continua indo atrás deles, não é por falta de aviso, é por comodismo, e esses não vão mudar de ideia. Vivemos num mundo com muita opção de informação, quem realmente quiser e tiver pé atrás com as grandes mídias, vai lá e procura várias outras fontes e opiniões. Acho que focar na RBS é desviar o foco do que realmente importa e do que era, originalmente, o ideal do movimento. Não estou defendendo a RBS. Também acho absurdo a proteção policial a eles, também não concordo com eles, mas o aviso já foi dado, agora parte pro que interessa, afinal derrubar a RBS não vai acabar com a corrupção, não é nem uma pauta possível de ser atingida. Ou você acha que a RBS ou a Globo vão simplesmente acabar ou mudar seu jeito de atuar? O aviso já foi dado, repito: só não sabe que eles não prestam quem não quer.
Sinceramente, não sou dos neuróticos que acham que tudo é um golpe, mas o foco se perdeu e não vai se chegar a lugar nenhum sem reivindicar algo concreto. Além de dar munição aos que querem que um golpe aconteça (porque não sou neurótico, mas também não sou ingênuo de achar que não tem quem queira algo assim). Não adiante ficar se vestindo de branco e pedindo dignidade, isso você muda nas suas atitudes diárias. Protesto é serve pra pedir mudanças políticas possíveis, reais e concretas. Então, ou se decide o que se quer e vai à luta por isso, ou vai acabar, como sempre, em nada.
Além disso, esse papo de "o país acordou". Olha. Eu moro do lado do palácio do governo, e tenho que passar por ali pra ir pra casa. Já faz muito tempo que não passa uma semana sem ter protesto de algum grupo reivindicando algo ali em frente. Só não ia pra mídia porque era pouca gente. Mas se querem fazer um movimento plural, comecem a agregar os pedidos desses grupos que lutam por melhores condições, como os índios, professores, pequenos agricultores e outros. Se, em vez de terem ficado reclamando do transito cada vez que um grupo desses fazia algum pedido justo, as pessoas os tivessem apoiado, já teríamos começado a mudar muito antes. Daria mais efeito do que juntar um monte de gente que tá pedindo coisas, às vezes, opostas, sem nenhum tipo de foco. Querem protestar por uma educação melhor? Apoiem os protestos dos professores. Querem pedir mais dignidade? Apoiem minorias que sofrem indignidades, como os índios. Querem pedir por transporte público de qualidade e de graça? Apoiem os protestos dos rodoviários que, antes disso tudo começar, fizeram um protesto que, entre outras coisas, pedia que se abaixasse a passagem, e que todo mundo reclamou porque deixou o transito lento. Enfim, acho muito válido tudo isso, mas acho que não pode virar a farrar dos protestos, porque daí não vai adiantar nada.
Que isso sirva pra acordar o povo e mudar as nossas atitudes no dia a dia também. Que mude na hora de votar, que nos faça apoiar manifestos de classes que pedem por melhorias justas e legítimas - melhorias que, inclusive, estão entre os pedidos que todo mundo tá fazendo agora de uma forma que começou a ser desorganizada. É pra isso que esses manifestos têm que servir também: acordar a consciência de cada um.
Portanto, nunca fui e continuo não sendo contra os protestos, mas que tenham uma legitimidade política porque não se muda a política de um país sem se fazer política.
Acho que a coisa se desvirtuou. Os 0,20 centavos foram a gota d'água que transbordou o copo, mas agora o copo entornou e a água se espalhou sem rumo certo.
Tá ficando uma coisa sem foco, sem reivindicação possível. Querem protestar contra o que? RBS (no caso aqui de Porto Alegre)? Então deixem isso bem claro e foquem nisso. Agora, querem fazer protesto político, então deixem a RBS e protestem por coisas palpáveis. O movimento que começou apartidário, que significa liberdade de qualquer partido participar (imaginem que força teria um movimento que tivesse lado a lado bandeiras do PSTU, PSOL, PT, PSDB, PMDB e outros. Os próprios partidos iriam perceber que precisam mudar), se transformou em anti-partidário, e isso, junto com essa história de fora Dilma e contra a corrupção é um discurso vazio e, acima de tudo, perigoso. Por favor, qual é o único sistema político que é anti-partidário? Isso mesmo, totalitarismo. É isso que querem? Ou querem uma reforma política pra acabar com as coligações partidárias e o coeficiente eleitoral? Porque isso sim é um primeiro passo pra diminuir a corrupção.
Todo mundo sabe que os grandes meios de comunicação são tendenciosos e controladores, quem ainda acredita neles e continua indo atrás deles, não é por falta de aviso, é por comodismo, e esses não vão mudar de ideia. Vivemos num mundo com muita opção de informação, quem realmente quiser e tiver pé atrás com as grandes mídias, vai lá e procura várias outras fontes e opiniões. Acho que focar na RBS é desviar o foco do que realmente importa e do que era, originalmente, o ideal do movimento. Não estou defendendo a RBS. Também acho absurdo a proteção policial a eles, também não concordo com eles, mas o aviso já foi dado, agora parte pro que interessa, afinal derrubar a RBS não vai acabar com a corrupção, não é nem uma pauta possível de ser atingida. Ou você acha que a RBS ou a Globo vão simplesmente acabar ou mudar seu jeito de atuar? O aviso já foi dado, repito: só não sabe que eles não prestam quem não quer.
Sinceramente, não sou dos neuróticos que acham que tudo é um golpe, mas o foco se perdeu e não vai se chegar a lugar nenhum sem reivindicar algo concreto. Além de dar munição aos que querem que um golpe aconteça (porque não sou neurótico, mas também não sou ingênuo de achar que não tem quem queira algo assim). Não adiante ficar se vestindo de branco e pedindo dignidade, isso você muda nas suas atitudes diárias. Protesto é serve pra pedir mudanças políticas possíveis, reais e concretas. Então, ou se decide o que se quer e vai à luta por isso, ou vai acabar, como sempre, em nada.
Além disso, esse papo de "o país acordou". Olha. Eu moro do lado do palácio do governo, e tenho que passar por ali pra ir pra casa. Já faz muito tempo que não passa uma semana sem ter protesto de algum grupo reivindicando algo ali em frente. Só não ia pra mídia porque era pouca gente. Mas se querem fazer um movimento plural, comecem a agregar os pedidos desses grupos que lutam por melhores condições, como os índios, professores, pequenos agricultores e outros. Se, em vez de terem ficado reclamando do transito cada vez que um grupo desses fazia algum pedido justo, as pessoas os tivessem apoiado, já teríamos começado a mudar muito antes. Daria mais efeito do que juntar um monte de gente que tá pedindo coisas, às vezes, opostas, sem nenhum tipo de foco. Querem protestar por uma educação melhor? Apoiem os protestos dos professores. Querem pedir mais dignidade? Apoiem minorias que sofrem indignidades, como os índios. Querem pedir por transporte público de qualidade e de graça? Apoiem os protestos dos rodoviários que, antes disso tudo começar, fizeram um protesto que, entre outras coisas, pedia que se abaixasse a passagem, e que todo mundo reclamou porque deixou o transito lento. Enfim, acho muito válido tudo isso, mas acho que não pode virar a farrar dos protestos, porque daí não vai adiantar nada.
Que isso sirva pra acordar o povo e mudar as nossas atitudes no dia a dia também. Que mude na hora de votar, que nos faça apoiar manifestos de classes que pedem por melhorias justas e legítimas - melhorias que, inclusive, estão entre os pedidos que todo mundo tá fazendo agora de uma forma que começou a ser desorganizada. É pra isso que esses manifestos têm que servir também: acordar a consciência de cada um.
Portanto, nunca fui e continuo não sendo contra os protestos, mas que tenham uma legitimidade política porque não se muda a política de um país sem se fazer política.
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