Querida Jane,
Realmente me sinto muito feliz em saber que você e Bingley voltaram a se acertar, afinal, não havia cabimento vocês dois estarem se desentendendo por tão pouca coisa. Sei como a vida de casado, depois que vivemos muito tempo juntos, começa a ficar mais e mais difícil, e acho até que esse seja um dos motivos pelo sumiço de meu marido; mesmo assim, aquele amor de vocês não podia ser tão facilmente abalado por esses meros problemas de um relacionamento. É uma pena que Bingley não tenha tido nenhuma notícia de seu melhor amigo, pois obviamente depositava nele minhas mais fortes esperanças de encontrar alguma pista de Darcy. Porém, não posso deixar de lembrá-la que os homens são muito unidos e sempre estarão um do lado do outro nas suas tramóias, seja lá qual o resultado disso. Portanto, queria lhe pedir que prestasse atenção no comportamento de seu estimado companheiro, tentando perceber algum deslize que demonstre a verdade sobre seu conhecimento a respeito de Darcy; não posso deixar de suspeitar que ele saiba algo, mas que relute em contar-lhe justamente por saber que você viria logo revelar-me a verdade. Espero, contudo, que nada disso possa abalar a relação entre vocês dois novamente, pois sabes muito bem que ele não acredita estar traindo sua confiança ao encobrir o amigo.
Não, amada irmã, eu não saberia precisar o motivo para tão repentino sumiço. Devo crer que ele já pensava isso há tempo, caso contrário não teria tido a capacidade de preparar seus negócios e economias, bem como fez, para estar bem provido em sua viagem. Porém, se isso é verdade, não consigo ver nenhum sinal demonstrado por ele, durante todo esse tempo, de algum tipo de contrariedade. Tivemos momentos turbulentos, é óbvio, afinal, somos dois tipos de personalidades fortes, mas nada que depois não se resolvesse com uma boa conversa e algumas carícias. Aliás, ele era sempre o primeiro a se esforçar nesse sentido, e era sempre quem mais tentava reparar as rachaduras daquelas pequenas querelas.
Tens razão ao dizer que passamos por maus bocados quando, no início, eu devia ser apresentada ao seu mundo e acompanhá-lo em todos aqueles eventos. Eu era uma estranha naquele meio, e as palavras espalhadas por Lady Catherine realmente antecederam minha chegada. Porém, apesar dos olhares e torções de narizes, dos esforços para me intimidarem, eu acho que me saí bem. Sofri um bocado, pois percebia como era importante para ele que eu me realizasse naquela sociedade, assim como ele. Toda aquela despreocupação quanto a tais questões, quando estamos apaixonados e só vemos a vida ao lado da pessoa amada, acaba assim que a vida real nos atinge novamente. Ainda assim, creio que nada disso tenha abalado nossa relação, pois ele realmente se divertia muito com todas as fofocas e faltas de consideração, bem como com minha postura diante de tudo. Estávamos em sintonia tão grande que nada disso podia ser, ainda, algum motivo de desentendimento.
Conforme os anos foram passando, eu aprendi a movimentar-me muito bem naquele meio, e, isso sim, pareceu-me deixá-lo estranho. Era como se ele gostasse da época em que eu era uma deslocada. Conforme fomos ficando mais queridos e requisitados, e mesmo as mais altivas damas aprenderam a me respeitar, e eu aprendi a lidar com elas, parecia que sua diversão ia diminuindo. Divertíamos, é claro, mas com outras coisas: filhos, assuntos familiares, artes, em fim. Mas não sei também se nessa época ele já não pensava em algo. Apenas posso dizer que a vida conjugal foi se perdendo entre a educação dos filhos, os deveres da propriedade, as conversas sem sentido, e, tudo isso, ajudou a esfriar inclusive o outro nível da relação (você sabe bem do que estou falando; espero não precisar escrever de forma explícita esse tipo de coisa, pois já me é difícil tratar disso assim tão discretamente). Não que não houvesse mais carinho, consideração, respeito mútuo, mas faltava algo que havia no início, aquela coisa que ardia de um modo bom e que apagava tudo mais em nossa volta. Sabes do que estou falando, não sabes?
Assim, minha cara, o fato é que tudo parece como o fog londrino em meus olhos. Não sei para onde vou, nem onde estou tateando. Se soubesses como sofro, minha querida irmã. Mas não é um sofrimento fraco, daqueles de menininhas sentimentais que choram pelo abandono do marido, é uma raiva, uma raiva que queima aqui dentro e me dá vontade de às vezes fazer coisas impensáveis. É nesses momentos que eu gostaria de ter a companhia de nosso querido pai. Ele saberia o que me dizer.
Acho que já me alonguei por demais. Fico por aqui, no aguardo de alguma notícia.
Sinceramente sua,
Lizzy.
P.S.: Escrevi também para aquela minha amiga de quem lhe falei, Jane Rochester. Ela, ao casar, viveu uma situação parecida com a minha, embora, em outros termos, totalmente diferente. Seu marido tinha alguns negócios em comum com Darcy, e nós duas ficamos muito amigas; ela é realmente um espírito vivaz. Porém, ela também não pode me ajudar quanto ao paradeiro de Darcy. E nesse caso, acho que não há qualquer tipo de complô dos homens, pois seu marido não tem, com Darcy, uma amizade como a de Bingley. Além disso, sua deficiência não ajudaria muito meu marido em qualquer tipo de empreitada (creio que já havia lhe falado sobre essa situação). Resta-me, agora, Deus me guarde dessa possibilidade, sondar Wickham.
Enquanto Jane lia a carta da irmã, seu marido ia até a estalagem que ficava no entroncamento da estrada, algumas milhas da sua casa, e outras milhas da cidade mais próxima. Havia dado a desculpa de ir deixar uma carta no posto do correio, paesar dessa tarefa ser geralmente dos empregados.
- Desculpa, querida. Mas preciso de ar puro para pensar um pouco. Essa história toda de sua irmã e meu amigo preocupa-me por demais.
Beijou-a e considrou que estava tudo bem. Montou em um de seus cavalos e dirigiu-se para o encontro com Darcy, onde iria avisar-lhe da chegada da carta e tentar dissuadí-lo de fazer aquela loucura, apesar de que o amigo parecia realmente muito resoluto, e Darcy, quando encontrado com essa disposição, dificilmente cedia.
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