Pra quem já se pegou perguntando, às vezes um tanto decepcionado (como nós gremistas ultimamente), por que raios se mata torcendo por um time de futebol. Por que sofrer por causa de um bando de jogadores que ganha muito bem e que na maioria das vezes parece não estar se importando. Pra você que já esbravejou de raiva dizendo que vai parar de torcer, não vai mais se importar porque isso é perda de tempo, mas que no jogo seguinte ta lá, na frente da TV, grudado no radinho ou mesmo no estádio, novamente roendo unhas e torcendo como nunca. Se você é como eu e outros milhões ao redor do mundo, então você precisa ler o livro Elogio da Beleza Atlética, do alemão, Hans Ulrich Gumbrecht. Um esplendido e divertido tratado que tenta entender por que o esporte fascina tanto o ser humano e, ao mesmo tempo, é sempre diminuído como mero ópio do povo pelos pensadores da academia. Nada melhor que um desses intelectuais para responder à pergunta.
Gumbrecht é professor na universidade de Stanford na Califórnia desde 1989, na área de literatura comparada. Atualmente o professor atua, pesquisando, escrevendo e ensinando nas áreas de literatura da Idade Média e do final dos séculos XVIII e XIX; história e pragmática dos meios de comunicação; epistemologia da cultura do dia-a-dia e sobre a estética do esporte. Figurinha conhecida do público universitário gaúcho, ele já esteve por aqui dando palestra algumas vezes, e estará novamente amanhã, dia 23 de agosto, na UFRGS falando justamente sobre esse livro.
Lançado em 2006, com tradução para o português da Companhia das Letras, o livro tenta responder por que tantas pessoas se identificam com atletas e diferentes esportes sem que isso traga nada de realmente válido para suas vidas práticas. Para tal, Gumbrecht diz querer fugir da visão metafísica ocidental que sempre divide as coisas entre o material e o espiritual e acaba privilegiando o lado espiritual dessa divisão. “As formas produzidas por movimentos corporais e a presença desses corpos – parece afirmar uma voz cheia de credibilidade – simplesmente não podem ser importantes o suficiente para se tornar alvo de preocupação, muito menos para que se escreva sobre elas”. Assim, o professor irá se focar “nos corpos dos atletas, em vez de abandonar o tópico do esporte para ‘interpretar’ esses fenômenos como uma ‘função’ ou uma ‘expressão’ de alguma outra coisa”.
O livro segue uma organização bem clara, com uma linguagem simples, mas cheio de idéias interessantes. A primeira parte é chamada “Definições” e dividida em três capítulos: Elogio, Beleza e Esporte. Aqui está o lado mais teórico e acadêmico onde Gumbrecht busca em Kant uma definição de belo, e também traz termos conhecidos da crítica literária e filosófica como “performance”, “presença”, “significado” e “signo”, ou termos da tradição grega como “agon” e “arete”.
A definição de esporte dada por ele é baseada em pares de oposição que explicam sua idéia de performance. Uma performance baseada na presença como parte física do mundo, e sempre visto como algo além da mera ação, pois marca a capacidade do corpo em ir além, sem que o espectador fique tentando saber qual a intenção do atleta em cada jogada. Ou seja, Gumbrecht ao falar da divisão mente e corpo, coloca o esporte no lado físico, no corpo, como uma performance específica, muito mais forte e real do que a atuação, por exemplo. É quase uma epifania, uma transfiguração dos grandes atletas “em nossa percepção imediata e, mais tarde, em nossa memória”, através do drama da competição.
A segunda parte, intitulada Descontinuidades, traz um apanhado histórico do esporte, tentando mostrar as alterações sofridas, através dos tempos, na preferência do público. A principal questão é a mudança no caráter de “insularidade” do esporte em relação ao dia-a-dia das pessoas: como o esporte está cada vez mais insular, hoje, do que era antigamente. Na Grécia antiga, as primeiras olimpíadas, por exemplo, eram muito mais ligadas à vida cotidiana dos espectadores, assim como em Roma. Acabando com nossa visão romântica do esporte na Grécia antiga, que era, muito provavelmente, bem mais competitivo do que hoje em dia (lembremos que não havia premiação para segundo e terceiro lugar), o autor nos dá uma bela visão da evolução do caráter do esporte, tanto do ponto de vista dos atletas quanto do público.
A terceira parte é dedicada aos Fascínios que o esporte nos causa. “O que gostamos nos esportes, e o que tratarei como objeto dessa experiência, pertence a uma série de fenômenos que fica de algum modo entre a performance e o ato de julgá-la. São movimentos corporais quase sempre já moldados pelas expectativas e pelo apreço que os espectadores levam com eles para o jogo.” Ele, então, explica sete formas de fascínio (Corpos, Sofrimento, Graça, Instrumentos, Formas, Jogadas e Timing) que contribuem para nosso apreço estético do esporte. Discutindo também os esportes que sempre tiveram fascínio (com carros ou animais), os que voltaram de alguma forma a ter (fisiculturismo) e por que o fascínio pelos esportes com bola cresceu tanto nos últimos anos.
A conclusão do livro se intitula Gratidão. Já vou avisando àqueles que chegarem aqui esperando uma resposta reveladora e fácil, entregue de bandeja sobre o porquê gostamos de esportes, que poderão ficar um tanto desapontados. O livro não se propõe a desenvolver o tema até chegar à resposta definitiva e final. O último capítulo, inclusive, a meu ver, é o menos revelador de todos. Porém, para aqueles que gostam de uma leitura em que se vai montando as peças, juntando as informações para se ter uma bela visão do todo, sem esperar que no final ele resuma tudo em um parágrafo, esses entenderão a intenção do final do livro. O título já diz tudo: Gratidão. O encerramento não passa de um agradecimento aos esportistas, aos ídolos do escritor (e aos do leitor através do que estão lendo) que o inspiraram a escrever esse elogio a suas capacidades que tanto nos fascinam.
Àqueles que gostam de esporte, e às pessoas normais que queiram entender por que esse fascínio pela emoção de um jogo, de uma corrida, de uma luta; recomendo essa leitura. Certamente divertida, informativa e instrutiva.
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