O Último Amor
- Sou uma stripper. Não vou fazer sexo com você – ela já foi logo avisando.
Mas eu devo avisar que ela fez. Ela não lembrava bem ao certo como acabou cedendo. Talvez tenha sido no momento em que ele disse que queria apenas ver um “belo” corpo de mulher na sua frente uma última vez, com um ar meio melancólico – e sim, ele usou a palavra “belo”; homens que ela conhecia não usavam essa palavras, a não ser se referindo ao cantor de pagode. Pra ser mais exato, talvez tenha sido a fala completa dele, que disse que também não sabia se o mundo ia mesmo acabar ou não, mas que se acabasse, a única coisa que queria era ouvir uma única boa música, beber uma única boa cerveja e ver um único belo corpo de mulher. Achou que ele parecia ser um cara bacana. Um homem chegando na meia idade, corpulento, cabelos ainda espessos, embora já branqueando. Tinha um ar de saudade em seu sorriso simplório e um certo olhar de mediocridade nos olhos desejosos. E parecia mesmo boa gente.
Mas no fim das contas pode ser que não tenha sido nada disso. Apenas teve vontade de preencher aquele vazio com alguém que não iria a abandonar por uma mera profecia idiota.
O fato era que transaram e foi realmente bom pra ambos. Os dois se olharam um tanto envergonhados, mas satisfeitos. Não havia sorrisos, mas cumplicidade. Ela vestiu o sutiã e a calcinha, mas parou por aí. Ele vestiu sua cueca e foi até a geladeira.
- Quer uma cerveja?
- Pode ser.
- Pensei que não bebia em trabalho.
- Também não transo com clientes.
- Mudou por causa de amanhã?
- Não. Quer dizer. Não sei. Obrigada. Acho que pode ser, mas não porque acredite nessa história.
Ele ficou olhando pra ela, pensativo, como se quisesse decifrar alguma coisa na fala dela. Se sentiu envergonhada, baixou os olhos e bebeu. Ele deu um meio sorriso e voltou a sentar na poltrona.
- Não sei se o mundo vai acabar ou não. Acho que não é uma questão de saber. É mais de acreditar. E eu não acredito. Mas não faz mal nenhum querer ter um possível último dia feliz caso aconteça. Não é isso?
Ela voltou a olhá-lo. Não entendera bem a pergunta. Não sabia se ele estava querendo apenas que ela concordasse com o raciocínio dele, ou se queria saber se ela sentia isso também. Nunca fora boa em conversar. Nunca gostou de manter diálogos profundos com as pessoas. Não as sabia interpretar direito. Optou pela segunda opção.
- Não. Acho que comigo é diferente. Não acredito e sei que não vai acabar. Mas isso me afetou de um jeito ou de outro. Então, fiquei meio deprimida igual.
- Sei bem como é – ele disse, olhando de soslaio pra sua mão esquerda. Foi uma olhadela rápida, tentando ser discreta, mas ela, de alguma forma, percebeu – estava atenta a ele. Porém, não havia nada naquela mão – desistiu de pensar que fosse algo.
- O que você faz? – ela perguntou tentando criar uma conversa que acabasse com a estranheza do momento.
- Vendo produtos de limpeza.
- Desde sempre?
- Não. E você?
- Não... (deu uma pausa, bebendo um longo gole) E não quero que seja pra sempre.
- O que você quer?
- Ser advogada. Trabalho pra pagar a faculdade.
- Você já tem uma?
- Sim. Mas faço muito devagar. É muita coisa.
- Tentei estudar medicina. Mas não consegui trabalhar e estudar.
- É frustrante?
- Foi melhor assim.
- Se realmente acreditasse que iria acabar, pra onde iria?
- Aquele lugar em Goiás. Você sabe?
- Sim. Sim. Ouvi falar – ela disse essas palavras com certo desgosto.
- Muitas pessoas foram pra lá.
- Muitas.
Ela se levantou, dando a ele a chance de olhar mais uma vez pra aquele corpo firme, de pele lisa e sedosa. Tudo pequeno, mas na medida certa. Nossa! Como ele sentiu saudades de um corpo assim. Ela mexeu no parelho de som, tirando o seu mp3 e guardando na bolsa ao lado, e não percebeu que ele novamente olhara para sua mão.
- Quero ver o que vão fazer quando tudo voltar ao normal.
- Vai voltar?
- Se não acabar, volta.
- Que CD é esse? – ela voltara a mexer no aparelho.
- Ah. Tá aí há alguns dias é...
Ela apertou o play e ele desistiu de responder. Um violão começou a tocar. Para muitos aquela melodia era impossível não reconhecer. Ela, no entanto, não sabia. Esperou a introdução. Era um tanto longa. Outro violão entrou fazendo um solo. Era triste. O primeiro tema continuava. Finalmente ela pareceu reconhecer. O cara começou a cantar. Ela conhecia de algum lugar. Certamente já havia ouvido e lembrava alguém. Mas não sabia o que era.
- O que é?
- Pink Floyd.
- A música?
- Wish You Were Here.
Ela conhecia, mas não sabia de onde. A letra era linda, mas triste. Ficou imaginando porque aquele era o CD que estava ali há alguns dias. Será que aquela era a única boa música que ele queria ouvir? Se era, achou que ele também tinha alguém. Não quis perguntar, mas ficou olhando pra ele, enquanto ele ficava encarando o chão, batendo a mão direita no braço da poltrona e sacudindo a perna no ritmo da música. Desejou perguntar, mas era ele quem geralmente tomava as iniciativas, então esperou. Esperou que ele perguntasse por que ela também estava triste com a música. Talvez pudessem se ajudar. Mas ele não disse nada.
Ela então olhou a sua volta, devastando a pequena sala do apartamento, e não viu nenhuma fotografia por perto. De repente, ele estava olhando pra mão esquerda novamente, mas talvez fosse porque segurava a garrafa de cerveja com ela. A música entrou no seu final, mas antes que aquele clima bom acabasse ela falou:
- Acho que acabaria não indo pra lá. É bobagem.
- Hã? Ah… sim. É. Talvez seja.
- Queria que fosse o primeiro lugar destruído.
Ele riu. Melhor, sorriu. Olhou pra ela e disse:
- Seria engraçado.
Mas não foi como se estivesse achando somente engraçado, e sim como se achasse que realmente valia muito a pena rir disso, e, por isso, valeria a pena que acontecesse.
A música acabou. Ela foi até suas roupas, pensando em o que faria amanhã quando tudo voltasse ao normal. Ele se levantou e pegou algo em cima da cômoda. Ela não viu o que era.
- Caso precise de algum produto de limpeza. Pode me ligar.
Ele lhe entregou um cartão, com a mão esquerda. Ela olhou pra ela e viu. Deu um meio sorriso de cumplicidade, mas recusou.
- Obrigada.
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