segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

O Terreno Baldio da Adolescência - Parte V

Então, será que o fantasma de Dumas ajudou Pedro em alguma coisa? É o que vamos descobrir agora.
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Até que certo dia, passado o abalo da morte do Dumas, eu estava usando uma camisa do Led, e ela me pediu se eu ainda acreditava no rock. Daí tive que ser bem ortodoxo e enfático: subi na mesa da minha salinha e recitei olhando pro horizonte com ar de profeta: “My my, hey hey, rock and roll is here to stay. The king is gone but he's not forgotten, Hey hey, my my, rock and roll can never die”. Olhei pra Rosana e ela estava com brilho nos olhos. Era o amor.

Tá. Vamos ser sinceros. Isso até passou pela minha cabeça, e eu mesmo me vi fazendo, mas acabei me controlando. Só olhei pra ela com ar nostálgico e disse: “rock and roll can never die, baby”. Ela riu. Não por causa do “rock and roll can never die”, mas porque nunca tinham dito “baby” pra ela daquele jeito (com piscadinha e tudo). Primeiro achei que aquilo era só uma constatação, mas depois ela deu um sorrisinho e olhou pra baixo. Então, pensei: Opa! O sinal! Bem aquele tipo de sinal que as mulheres dão, e que tu tem que ser muito ligado pra não perder, porque são rápidos e discretos. Daí que, sem nem pensar direito, eu lasquei se ela ia fazer alguma coisa sexta de noite. Foi bem assim mesmo. No susto. Primeiro ela pareceu gostar e disse que estava livre. Mas depois ela ficou meio se fazendo. Dizendo que não sabia, que a gente era colega de trabalho e tal. Eu tentei enrolar dizendo que era só como amigos e tal. Tentei ser engraçado: “eu sou da teoria que onde se ganha o pão não se come a carne” (puta piada ridícula na pior hora). A sorte foi que ela pareceu não ouvir direito e fez um “hã?”. Aproveitei e remendei com qualquer coisa: “coisa de amigos. Você me deve um chopp, mesmo”. Nessa história de remendar, acabei indo a reboque de qualquer coisa. Mas deu certo porque ela pareceu sossegar e retrucou: “você é que me deve um chopp. Lembra? Apostamos o resultado do jogo do Grêmio” (era verdade. E a mina ainda curtia futebol!).

Ficou combinado pra sexta às oito. Eu escolhia o lugar. Falei de um bar na cidade aqui do lado, uns vinte minutinhos de carro. Porque aqui na cidade só o Penelope, e lá era muita gente conhecida pra ficar me atrapalhando. E o Penelope não é bar com clima pra azarar mulher do tipo dela (isso eu achava antes de a conhecer melhor). E tinha toda a história do Dumas. O outro bar ia ter a banda de um conhecido. Eles tocavam de tudo, e o lugar era mais o estilo. Depois da meia noite podia ir pra pista, onde podia rolar um clima quando tocasse uma mela cueca dessas. Além disso, me dava a chance de fazer uma seleção de músicas pra ir ouvindo na viagem. Isso podia me ajudar a preparar o terreno de um jeito bacana.

Fiquei meio nervoso naqueles dias. Fazia tempo que eu não entrava nesse clima de conquista, e a Rosana era diferente do tipo de mulher que eu namorava. A minha primeira (e única por sinal) namorada, Érica, era uma roqueira porra loca que curtia transar ao som de D’yer Mak’er ou de Since I’ve been loving you, quando estava chapada. Não vou dizer que não foi um bom namoro, até porque foi o primeiro, mas ela gostava de pintar as unhas do pé de cores escuras, e eu não curtia muito isso. Já a Rosana era divertida e, às vezes, meio doidinha, mas mais nesse estilo do pessoal do teatro, assim, meio alternativa.

Me mantive ocupado gravando uma coletânia pra viagem. Isso me distraia, acalmava e me fazia pensar em assuntos pra noite. Comecei com Midnight Rider, do Allman Brothes porque é a minha preferida pra dirigir à noite. Daí tinha que vir o Véio: Dreamin’ Man, que é linda e romântica. Mas pra não deixar ela assustada com aquele clima, lasquei Loving Cup, do Rolling Stones em seguida. O ritmo mais animado e a letra mais disfarçada, além do que Rolling Stones sempre gera muito assunto pra além da música deles. Não dava pra demorar sem Led; duas de vez: Going to California e Tangerine. A primeira mais fantasiosa, mas o clima era legal, e a segunda eu podia falar do cabelo dela. Ia ser divertido. Quando viesse Most of The Time, do Bob Dylan, estaríamos chegando. Eu poderia até puxar assunto do filme Alta Fidelidade e indicar o livro, pra parecer um cara com cultura.

Pra volta reservei as mais cascudas. Caso não tivesse rolado nada ainda lá no bar, eu podia começar a ser mais incisivo. Caso já tivesse rolado, daí tudo ia tá no clima mesmo. Começava com Golden do My Morning Jacket e seguia com She Talk to Angels, do Black Crowes, pra mim uma das baladas mais lindas do rock dos últimos tempos. Duas bandas mais atuais pra o fusca não parecer um museu ambulante por fora e por dentro. Mas voltamos ao Led: Thank You, que já era pra dar uma escancarada. Mais uma do Bob, Buckets of Rain que é bonita e tem uma letra a primeira vista singela. Bom, ela não ia tá prestando muita atenção mesmo. Então, Crystal Ship, do Doors, que tem uma dos trechos de piano mais lindo da história: curto, mas encantador. O suficiente pra amolecer qualquer coração. E fecha com eles: I Need You, do Lynyrd. A letra dessa já era pra deixar as coisas bem claras, e me dar coragem de falar pra ela a verdade caso tivesse tido medo durante todo esse tempo.

Na verdade, eu tinha preparado uma coletânea pra me declarar, isso sim. Talvez fosse até exagero pra um primeiro encontro, mas agora foi. Era sexta de tarde, e eu tava com a gravação pronta. Tentei colocar na minha cabeça que, apesar das músicas, eu devia me controlar e tentar não me declarar assim, de vez. Deixar as coisas rolarem, e começar só com um beijo pra depois ver como ia ser.

À noite, quando cheguei na frente da casa dela, ela usava aqueles vestidinhos que eu não sei dizer o material, mas que eu adoro quando elas usam porque cobrem até o joelho e são meio justos até a cintura e ficam soltos depois, e te deixam perceber as curvas da menina. E quando a saia encosta um pouco mais no corpo deixam adivinhar os contornos que tem ali por baixo. Eu fico louco porque você não vê, mas a simples insinuação deixa sua imaginação doida. E não dava pra negar que o corpo da pequena era bem interessante. Morava sozinha e gostava do meu fusca tanto quanto eu. Ou seja, tinha a simplicidade que uma mulher que namora um roqueiro precisa ter.

É claro que nada do que eu tinha imaginado aconteceu. As músicas nem fizeram o efeito esperado porque ela estava mais interessada em conversar do que ouvir o que tocava. Quando ela entrou já estava rolando a primeira. Na segunda, ela apenas fez balançar a cabeça no ritmo da música, o que me deixou desesperado pra agarrar aquela pequena e a encher de beijos. É claro que quando tocou Rolling Stones a gente falou sobre a banda. Ela se impressionava como eles conseguiam sobreviver por tanto tempo, e eu disse que achava a faze mais moderna deles nem tão boa. Em Going to California ela estava tão empolgada contando como tinha decidido fazer teatro apesar do seu pai querer que ela fizesse odontologia, que nem prestou muita atenção. Mas em Tangerine ela deu uma risada e eu quis saber por que, mas ela disse pra eu esquecer. Não tive como me segurar e comentei do cabelo dela. Ela gostou da comparação. Quando Most of the time começou nós já estávamos na cidade vizinha, procurando chegar no bar, mas ela se interessou. Falou que nem parecia Bob Dylan quando eu disse o que era e lembrou que tinha ouvido a música num filme.

- Alta Fidelidade!? – perguntei cheio de empolgação.
- Isso!
- Esse filme é massa. Mas tem o livro também. E é bem melhor.
- Sério? Não sabia.
- Sim. É um dos meus preferidos. Se quiser eu te empresto.
- Claro. Tava mesmo querendo ler alguma coisa.

Finalmente descemos do fusca e entramos no bar. O bom foi que já tínhamos assunto. Falamos sobre o filme, e eu falei um pouco sobre o livro. Enquanto ficamos na mesa, bebemos, comemos e conversamos com muita desenvoltura. Eu nunca me imaginava me sentindo tão bem com alguém como ela, mesmo estando tão nervoso. Falamos sobre muitas coisas. Namoros, fins de relacionamentos, cultura em geral, esporte, fofocas sobre colegas, opiniões sobre o futuro. Inclusive descobrimos ter a mesma idéia sobre ter filhos:

- Se é pra ter só um, então nem tem. Quero logo uns três ou quatro.
- Também acho! – ela falou, rindo – Só um pode ficar mimado. E se é pra ter filhos que seja pra se divertir com eles. Imagina ir pra praia com o carro cheio.
- Isso mesmo – eu concordei, olhando pra ela e tentando disfarçar o olhar de “pelo amor de Deus casa comigo” – Nós somo old school, acho.
- Como assim?
- Hoje em dia ninguém mais pensa assim. Ou querem ter só um filho, ou nem isso. As pessoas não pensam na solidão que pode vir depois.
- É verdade. Eu não quero ficar sozinha – ela deu uma pausa, olhando pro copo – Sabe Peter. Nunca pensei que você fosse esse tipo de cara. Você tá me surpreendendo. Tem muito de ti que eu nem imaginava.
- E de baixo tem mais.

Ela riu, mas parecia não lembrar de Chaves. Eu comentei, e ela disse que gostava, mas que fazia muito tempo que não via. Eu falei que tinha alguns gravados, e ela adorou. Até marcamos uma sessão nostalgia. E agora eu já estava praticamente babando em cima daquela garota.

Quando veio a banda, nós dançamos e rimos muito. Eles tocaram Mixed Emotions dos Stones, e nesse momento nossas mãos roçaram, e nós nos olhamos demoradamente. Era a hora de eu a beijar, mas sabe como é. Tem certas mulheres que você quer tanto que dê certo, que fica com medo de fazer algo errado e acaba não fazendo nada. Pensei muito nisso e achei que precisava de mais álcool pra criar coragem. Acabou que, quando eles tocaram as baladas nós estávamos tão bêbados que só sabíamos avacalhar e dar risadas. Em Love Hurts, estávamos só os dois na pista, cantando junto e fazendo chifrinho de corno como dois amigos bêbados. Me dei conta do perigo da nossa relação chegar no nível da amizade que impede o namoro, e decidi que estava na hora de ir. Hora da coletânea da volta fazer algum efeito. Ela insistiu que a gente esperasse um pouco, e eu bebesse uma coca pra ficar mais sóbrio. Depois saímos.

A volta pareceu mais propícia. Estávamos mais quietos e as músicas funcionavam melhor. Em Thank you ela me olhou e me deu aquele sorrisinho novamente. Eu entendi que, apesar de não parecer, ela tinha captado as mensagens das músicas. Quando tocou Buckets of Rain ela achou a música linda e quis saber o que era. Aí, eu já não tinha como negar e como querer adiar. Estava tomada a decisão. Quando ia começar The Cristal Ship, nós passávamos por um lugar onde a vista da cidade era linda, e a lua brilhava de forma incrível sobre nós. Parei o carro ali mesmo pra curtimos um pouco aquela visão. Me aproximei dela, colocando o braço sobre seu ombro. Ela, que observava a lua, se voltou pra mim com um sorriso incrível e perguntou:

- E aquela história de onde se ganha o pão, não se come a carne? (Ah! então ela tinha ouvido).
- Não tem problema. O que eu ganho não dá nem pro pão, mesmo.

Ela riu jogando a cabeça pra trás e mostrando todo seu pescoço e depois voltou e me olhou nos olhos. Eu sabia que não havia mais nenhum sinal que ela podia me dar. Nos beijamos e foi... Nossa! Incrível! Ao som da passagem de piano mais linda do rock, nós nos entregamos a troca de salivas e ao passeio de mãos de forma intensa e realmente linda.

Quando chegamos na frente de sua casa, ela pediu para não dormirmos juntos aquela noite porque achava que transar no primeiro encontro não ajudava a um relacionamento durar mais tempo. Ao ouvir aquilo eu fiquei realmente feliz, afinal, o que eu mais queria era que nosso relacionamento durasse. Logo que ela desceu, eu lasquei um “que delícia professor, que delícia!”, coloquei Sweet Home Alabama (que é sempre um hino pra quem tá feliz) e saí dali mais radiante que o fusca que tinha recebido duas mãos de cera antes do passeio.

O mês de novembro chegou e...
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Finalmente Pedro toma uma atitude e finalmente essa história parece mostrar algum propósito. Será que agora vamos entender o que realmente ele precisa fazer para encontrar rumo na sua vida? Ou será que esse encontro e um possível namoro já é o suficiente? Veremos mais adiante.

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