Voltando. Lembremos que na útima parte da história, nosso amigo relatou dois acontecimentos que desencadearam sua necessidade de pensar na vida e escrever. Foram eles: a recordação da queda do avião da sua banda preferida, Lynyrd Skynyrd, e a descoberta de que seu irmão montara uma banda emo. Deixamos ele quando estava prestes a entrar no tal terreno baldio que dá título à história. Hoje finalmente saberemos da importância desse terreno. Mais do que isso, veremos um acontecimento importante para a história
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Entrei ali porque me senti muito saudosista. Lembrava bem de tudo que aquele terreno viu. Nosso campo de batalha medieval. A selva onde o Rambo matava vietnamitas. O esconderijo das revistas pornôs. O palco onde a banda de mentira tocou antes de virar de verdade. Também era cenário de lutas dos Cavaleiros do Zodíaco e de corridas de carro depois de assistir Dias de Trovão, ou o céu onde voávamos com nossos jatos de Ases Indomáveis, ou diferentes épocas pra onde íamos no nosso Deloren de papelão, e eu dirigia o Firebird Trans-Am de Burt Reynolds (era o único que gostava de Agarre-me se puderes). Ali se jogava bola e também se levava namoradinhas para as primeiras experiências sexuais antes do sexo propriamente dito. Me lembro bem do dia em que o André, irmão mais velho do Diógenes, pagou uma prostituta pra nos mostrar os peitos ali no canto escuro do muro. Ou quando o Dumas ajudou a gente a fazer sumir os efeitos do primeiro porre. Era ali que a gente tinha discussões homéricas sobre música, como eu defendendo o rock etílico clássico, o Firula defendendo o virtuosismo do progressivo e o Ripa querendo convencer a gente que heavy metal tinha seu valor. O Ripa era aquele cara que é e não é da galera. Meio fora da casinha. Mas o principal problema dele era não entender que a gente não tinha nada contra Black Sabbat, Judas Priest ou Iron Maiden, só também não tinha nada a favor. Ele era fã dessas bandas, e achava que se a gente gostava de rock devia gostar deles também. O Ivan era o único que ficava no meio porque também gostava. Mas nessas horas, até o Firula virava sulista (no sentido musical e americano). Se tinha uma coisa que ele não aturava era heavy metal chupado. Aquele em que um cara vestido todo de couro se esgoelava pra cantar fino, enquanto os outros músicos ficavam disputando quem tocava mais rápido.
Ali a gente também trocava fitas K7 gravadas com novas descobertas musicais. Que na verdade não eram novas porque eram tudo de trinta anos ou mais, mas eram novas pra nós. Ainda vivemos essa época saudosa das fitas, e ali no terreno ficava nosso mercado negro. Ficar ali me fez viajar no tempo. Revi nossas reuniões na casa do Ivan pra jogar vídeo-game, discutir música, repetir as falas do episódio de Chaves e Chapolin que tínhamos visto antes, e reclamar do Dumas que ainda não nos deixava tocar no Penelope. Dumas foi tipo um mentor da galera. Se teve um responsável por moldar nosso bom gosto musical, esse alguém era ele.
Cheguei em casa com uma nostalgia desgraçada. Tinha vontade de parar tudo e viver naquelas lembranças. Fiquei olhando umas fotos enquanto ouvia uma gravação rara do LS ao vivo. Pensei em tudo aquilo. Na total falta de um caminho a seguir, na total desolação da adolescência (ela devia ter me levado a algum lugar, não?). Olhei para os meus pais numa foto e me deu um sentimento de ternura melancólica. Como é isso? Bem, se é que sei explicar (acho que não), mas você sabe. É quando a gente olha e sente aquela vontade de agradecer chorando por que não correspondemos a tudo que fizeram por nós.
No dia seguinte, não agüentei ficar em casa. Era domingo, mas não tínhamos show marcado. Daí, peguei meu fusca e fui andar. Pensar sobre as coisas que estavam acontecendo, ou não acontecendo. Sobre meu irmão e sobre a minha situação. Fiquei a divagar o que meus amigos e eu tínhamos conquistado, mas só me vinham bagaceirisses e inutilidades. Entrei a achar que a raiva contra o meu irmão era contra mim mesmo. Eu e os malditos anos noventa, o que eu ganhei com eles? “Merda nenhuma! Não sobrou nada!” foi minha insólita conclusão em voz alta. Nós simplesmente não fizemos muita coisa. Éramos rebeldes sem sermos maloqueiros, mas também sem ter motivos. Um bando de filhos da classe média que tinham o que precisavam, mas também não tinham tudo. Por isso que, como amantes da música, precisávamos, às vezes, dar um jeito de conseguir comprar aquele CD. Ou até pra coisas mais simples como ver um filme: tinha que ir no cinema ou alugar uma fita. Eram dificuldades que tínhamos de vencer, mas nada que moldasse nosso caráter. Nada que pudesse nos ajudar a decidir quem seriamos. Na verdade, o que nos moldava eram as letras de rock, os filmes no cinema e os seriados na TV.
Agora aqui estava eu, arrastando um curso que não tinha muito a ver comigo e num trabalho tapa furo que nunca seria nada demais, mas que, mesmo assim, eu achava que podia dar em alguma coisa. Como eu já disse, trabalhava numa escola como responsável do almoxarifado. Era meio lendário entre os alunos por causa do fusca, do cabelo comprido, das camisas pretas de flanela e do rock. Mas principalmente porque eu tinha um carrinho de carga pra recolher equipamentos pela escola, e sempre que precisava usá-lo, colocava meus fones, e andava com ele como se fosse um patinete, ouvindo Rock & Roll e passando na frente das salas. Os alunos viam pela porta aberta e adoravam. Os professores até ficavam fulos com a bagunça, mas nunca dava nada. Quem manda dar aula de porta aberta? Eu basicamente tinha que cuidar dos equipamentos de áudio e vídeo. Aceitei o trampo porque precisava e porque achei que no ambiente escolar podia começar a me envolver mais e me identificar com a profissão. Pensei que podia até começar a dar aulas particulares. Mas merda nenhuma. Ninguém precisa de aula particular de história. Precisa de português, matemática... Não história.
Mas voltando àquele mês de outubro. Teve outra coisa ruim que aconteceu. No início desse ano, tinha entrado uma professora nova na escola: Rosana. Uma verdadeira rosa graciosa (desculpa o clichê). Primeiro nos conhecemos como colegas de trabalho, mas lá pela metade do ano eu já estava apaixonado por ela. Era professora de teatro, tinha minha idade e era a coisinha mais linda. Uso diminutivo porque ela era pequena mesmo. Tinha cabelos pelos ombros e, pasmem!, laranja. Isso mesmo, laranja. O que me conquistou ainda mais (que personalidade, pensei). E eu já até sonhava em cantar para ela:
Quando começou a trabalhar lá, fui o primeiro com quem ela precisou fazer amizade por que vivia pedindo material pra mim. E de cara eu já senti algo diferente por aquela garota. No primeiro dia, viu que eu estava com uma camisa do seu Madruga e sorriu, depois disso não tinha mais nada pra mim que não fosse a Rosana. Ela é aquele tipo de mulher que quando sorri não existe mais nada no mundo que não seja aquele sorriso. Depois que ela saiu, eu coloquei meus fones e fiquei ouvindo “She Belongs To Me”, não por causa do título, mas porque eu achava que ela era a letra daquela música.
Demorei a conseguir alguma coisa, mas não porque eu era tímido (anos de palco e álcool acabam com esse tipo de coisa). É que quando ela estava por perto eu ficava meio pateta mesmo. Fazia umas piadas podres. Mas assim mesmo a gente ia se aproximando. Ela também gostava de música. Só que ela era do teatro, e esse povo do teatro parece que gosta de tudo que é tipo de música, de Enya a Metallica. Mas se fosse pra dizer o que ela gostava mesmo (não só curtia), era Chico (o Buarque, obvio), Coldplay (toda mulher gosta), Norah Jones e Blackmore’s Nigth (projetinho obscuro do Ritche Blackmore que eu até achava maneiro, mas só). E nos dávamos bem porque éramos das poucas pessoas da mesma idade naquela escola. A gente tinha os mesmos assuntos e preocupações. O que foi bom pra mim. Eu tinha esse jeito despreocupado com o mundo, e isso fazia ela gostar de estar perto de mim (dizia ela). Eu era divertido. E ela, com mais preocupações com o futuro e tal, me fez começar a pensar um pouco nisso também. Mas até outubro eu só tinha conseguido aproximação na escola mesmo.
Estava pensando muito nela no meio daquela minha crise existencial. Acho que precisava mesmo era de uma namorada nova. Na terça, decidi ir no Penelope beber e jogar conversa fora com o Diógenes e o Firula, cuspir xingamentos à faculdade e arrotar empáfias musicais. Pra minha surpresa não encontrei o Dumas por lá. Era estranho não ver o velho mentor atrás do balcão, com sua cara fechada. Pensamos que podia ser alguma coisa relacionada ao tratamento de câncer no estomago que há tempos ele estava tratando, mas não chegamos à conclusão alguma porque logo estávamos bêbados, nos divertindo com recordações a parte.
Aí que veio o terceiro acontecimento.
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Bom, eu disse que era apenas um acontecimento importante. Descobrimos que nosso amigo está apaixonado. Mas por que será que este fato não está listado entre aquele que desencadearem toda aquele momento reflexivo em que estava? Talvez a resposta esteja na continuidade da história. O próximo acontecimento, listado entre tais fatos importantes, finalmente desencadeará o desenvolvimento de muitas coisas, mas só saberemos disso na próxima parte. Até lá.
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