terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Histórias do Fim do Mundo II

“Eu Também”

“Caralho! que calor do inferno. Já faz dois dias que chove e mesmo assim o calor não para! Pior. Só piora! Tá mais quente ainda, se é que é possível. A merda do sistema de energia foi pro pau e eu to sem ar-condicionado. A bateria do meu note tá acabando eu ainda não terminei de arrumar esse maldito site. É pra fuder. O mundo não acabou, to sem dinheiro, só um cliente não cancelou pedido e eu não vou conseguir entregar esse merda porque falta luz desde ontem. Caralho! que foto podre é essa? Vai se fuder, pati dos diabos! Parece uma puta! Como é que eu sou amiga de uma loca dessas? Ah! Claro! Amiga da Arlete. Só podia. Aquela lagartixa podia ter saído da minha vida por completo. Ah vou mandar a merda! Por que não faltou luz no prédio do Zuckerberg e essa bosta de Facebook não saiu do ar? Por que a internet ainda funciona? Será que só nesse fim de mundo de cidade é que não tem mais luz? Cadê as tais tempestades solares que iam deixar os sistemas de informação em colapso?

Foda-se! O mundo não acabou, um monte de gente se matou, uma chuvinha de dois dias tá deixando o resto apavorado e eu to aqui, presa nesse apartamento chinelo, sem ar, sem geladeira pra gelar minha vodka, sem limão, sem aquela vadia que foi embora porque não queria passar os últimos dias de sua vida comigo. Tomara que tenha morrido aquela lagartixa sem rabo! Tomara que tenha sido esmagada antes do rabo crescer. Onde eu tava na cabeça pra pedir pra ela morar comigo?

Preciso de um cigarro. Espero que isso ainda tenha. Puta que pariu! Nem cigarro?! O mundo não acabou, mas parece que acabou! Antes tivesse tudo ido pro espaço. Pelo menos essa merda não continuava. Como é que eu vou fazer? Descer pra comprar cigarro onde? Será que algum armazém tá funcionando? Daqui não dá pra ver nada... essa chuva maldita! São três horas da tarde de segunda e nenhum carro na rua. Parece que eu to no meio do apocalipse zumbi. Bem que podia ser. Bem que eu podia encontrar aquela lagartixa sem rabo transformada num bicho daqueles. Queria ter o prazer de enterrar um machado na cabeça dela, como se fosse um melão. Era mais vazia que um melão. Ai linda, tu não devia deixar esse cabelo assim. Tu vai parecer uma machorra. Caralho sua puta burra! Eu sou uma machorra! Não tá vendo? Namora comigo faz três anos, veio morar comigo e ainda não percebeu que eu sou uma machorra? E para de usar esse tu de merda pra parecer que é porto-alegrense. Tu é de Soledade, vaca desmiolada!

Cruzes! Como é que eu to tão irritada assim? São só lembranças. Só? Hum... Eu definitivamente preciso de um cigarro. Vou descer e que se foda!

Ah! Essa chuva quente não dá nem pra se molhar nela, parece mijo. Queria que os maias tivessem acertado pelo menos metade e meio mundo tivesse sido destruído. Cidadezinha de merda como essa podia ter ficado debaixo d’água. Cachorro burro sai da rua, vai ser atropelado! Puf! Por quem? Nem carroceiro tá na rua hoje. Porra! Nem o armazém do seu Juarez tá aberto. É pra fuder! O veio é o único que abre em feriado, com tornado, maremoto, na segunda vinda de Cristo... o velho não perde a chance de faturar um. Se nem ele abriu hoje, não vou conseguir cigarro. Ai merda! merda! merda! Por que é tão difícil conseguir só um cigarro? O mundo não acabou porra! O que tu tá olhando mendigo dos infernos? Vai catá lixo e me erra! Não posso mais gritar na rua?

Ai! Que pilha de nervos. Será que eu to na TPM? Ideia estúpida parar de marcar só porque o mundo tava pra acabar. Nem eu escapei dessa crença do caralho. Devia ter continuado tomando pílula. Acho que vou no Zaffari da Lima. Preciso de uma farmácia! Preciso de um cigarro! Preciso da energia! Preciso trabalhar e ganhar dinheiro! Preciso... aí que dor! Puta que pariu! O que tá acontecendo comigo? Se pelo menos eu conseguisse chorar...

No fim das contas... quem ia querer morar comigo desse jeito? Ela era a única que me aguentava afinal. Se não fosse a desmiolada que era, não teria me aguentado. Ela deve ter cigarro em casa. Sempre tinha. E pílula também. Ah! Ela certamente sabe seu eu to na TPM. Sempre sabia meu ciclo. Não posso fazer isso. Não vou fazer essa merda. Imagina se chego lá e me dizem que ela se matou?...

(Vou ir até o Zaffari. Eles devem ter gerador próprio)

... É bem capaz dela ter feito isso. Bem coisa dela. Mas e se chego lá e ela tá em casa? Oi, me vê um cigarro? Sabe se eu to na TPM? Quer trepar?
Ai que ódio! Eu não posso tá pensando essas coisas. Não com ela. Eu odeio ela. Quero enterrar um machado naquela cabeça se ela for um zumbi. Droga! Eu nem tenho um machado. Não tenho cigarro, ar-condicionado, limão, a vodka não tá gelada, a cidade tá parada, não tenho mais aquela lagartixa sem rabo....

Por que digo isso? Ela tinha um rabo tão lindo. Que bundinha mais lisa e empinadinha. Tão boa de morder.

Porra! O que eu to fazendo aqui? Eu devia ter ido pro Zaffari. Como vim parar aqui? Merda! merda! merda! Agora o que eu faço? Toco a campainha? Não. Não tem energia. Vou embora. Mas ela deve ter cigarro. É só por isso que eu vim. E pra saber o ciclo. Isso. Só por isso. Peço, pergunto e vou embora. Pronto.

Ai merda! Eu devia ir embora... Agora foda-se! Alguém já ouviu e vem vindo.

Oi Arlete... como você tá?... Pois é, né? O mundo não acabou no fim das contas. Que bom que você não se matou... O que? Não, eu não pensei que. Bem um pouco, talvez. Você era. É meio dramática... O que? Pois é não sei. Não falei com ninguém da galera ainda. Não sei se alguém se matou ou não. Acho que ninguém foi se encontrar lá na frente ontem. Eu tava indo pra lá vê se tá aberto. Mas pensei. Bem. Sei lá. Será que você tem um cigarro pra me conseguir? To sem nenhum e não tem nada aberto. Ah, obrigado... Então você tá bem mesmo?... É, eu sei. Não devia ter te dito aquelas coisas. Mas você também não precisava ter me dito que queria me deixar bem na véspera do fim do mundo... Não interessa Arlete! Três dias antes já é véspera!... Aí! Você sempre me aturou assim... Tá! Tá bom! Escuta! Vamos parar por aqui. Não quero que você chore na minha frente... Porque eu fico com vontade de te abraçar e te beijar e aí vai me dar vontade de trepar... Merda Arlete! Eu sempre usei essa palavra... Porque eu não consigo dizer “fazer amor”. Mas não quer dizer que quando eu dizia trepar ou fuder não tinha amor. É só uma questão de palavras... Tá bom Arlete! Eu vou embora! É melhor assim. Obrigada pelo cigarro. Vê se se cuida. O mundo não acabou, mas parece que só sobrou o inferno.

Ufa! Um cigarro! Até a chuva parece refrescar mais. Ah! Agora essa porra de armazém abriu. Vou logo comprar um estoque de cigarros. E limão.

Olha só. Um carro na rua. Parece que o mundo resolveu sair de casa. Quem sabe se não para de chover, só pra variar? Tá. Também foi pedir demais. Merda! Não quero nem pensar subir esses cinco lances de escadas agora. O que? Luz? Sério? Puta que pariu! É eu dar uma volta na rua e as coisas parecem voltar ao normal!

Ai que maravilha! Ligar meu ar. Fumar. Gelar minha vodka! Ai meu sofá!

Caralho! Eu disse que era com “amor”. Eu usei a palavra “amor”! Amor! Puta que pariu! Ela vai achar que... Eu disse isso? disse? O que ela vai achar? O que vai passar por aquela cabecinha vazia? Ela certo que vai... ah ela vai! Caralho! O que eu fiz? Será que?... Parece que sim. Mas...

Foda-se! Vou trabalhar. Agora eu consigo terminar essa merda.

Ai caralho! O telefone! Onde ficou essa porra? Já vai! já vai! Já vai! Cadê essa merda!? Ah!

Alô? Oi... Vir aqui? Mas eu acabei de sair daí... Ai meu Deus Arlete! Não me entenda mal, mas não foi bem isso que eu quis dizer. É que, nós tinha algo legal, mas... você sabe que era carnal, não era?... Eu sei que eu disse, mas... sim, mas... eu sei que... Tá. Tá bom! Escuta... Me escuta! Você lembra do meu ciclo menstrual? Lembra!? Ótimo! Você não quer passar numa farmácia e me trazer uma pílula? Daí a gente conversa. Vem de noite que agora eu preciso trabalhar. Tá bom. Beijo. Eu também.

Bom... Pelo menos vou ter sexo essa...

Caralho! Eu disse “eu também”? Puta que pariu o que será que ela vai pensar? Eu disse “eu também”?... Porra! Eu disse "eu também".

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