Bem, na primeira parte, nosso narrador e protagonista estava tentando encontrar um começo para sua história - algo aparentemente difícil pra ele - e tentou achar uma música emblemática para ser o ponto de partida. Não conseguindo, decidiu fazer uma lista, como uma trilha sonora. Acompanharemos então essa lista e, finalmente uma espécie de início da história.
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Eis a lista:
The Who – Baba O’Riley
The Byrds – Turn! Turn! Turn!
Lynyrd skynyrd – Simple Man
Rolling Stones – Paint it Black
Neil Young – My, my, hey, hey (out of blue)
Led Zeppelin – Tangerine
Allman Brothers – Please Call Home
Creedance – Someday Never Comes
Jimmy Hendrix – All Along The Watchtower
The Doors – The End
Não que eu tenha a pretensão de ser um Nick Hornby. Já disse que não quero ser escritor. Mas é meio inevitável quando se gosta de música. Sei lá. Pelo menos você já entende um pouco de quem está escrevendo. Porque eu sou roqueiro, mas não é de qualquer rock que eu gosto. Quando falo de rock, falo daquele que bebe na fonte do blues e do country, com uma veia um pouco psicodélica, mas nada que estrague a pegada, a energia que só as melhores bandas desse estilo têm. Lynyrd Skynyrd, The Allman Brothers e Jimmy Hendrix, essa é a santíssima trindade. As bandas americanas meio que dominam porque acho que foram bem os ingleses que escangalharam tudo com aquele virtuosismo virado em viagens. Digo os que vieram depois da british invasion. Claro que Led está no meu Olimpo, mas dá pra ver (ou antes, ouvir) por quê. Tudo que eles mais queriam era terem nascido na beira do Mississipi, com um bandolim na mão, o blues na veia e bebendo uísque na mamadeira. O melhor do rock inglês. Rolling Stones é bom até virarem chatos. Ou seja, até Exile on Main Street, com algumas exceções. Já os Beatles é meio complicado. Não sou muito fã deles. Acho que Bob Dylan é muito mais importante, e os caras do The Who muito mais músicos, mas em fim... isso é polêmico como o rock. Até gosto da fase do ieieie de bons moços, mas depois ficou uma coisa meio “vejam como somos foda”, e nada de diversão. The Doors, obviamente também está no Olimpo porque a poesia de Jim é foda, e Crystal Ship é a balada do meu melhor beijo. Também curto um pouco o AC/DC porque as letras deles são mais ou menos como eu encarava a vida: vamos aproveitar!
Como já disse, nesse ano (2007), eu estava nesse clima de revisionismo, mas tem um motivo. No mês de outubro, coisas estranhas aconteceram. Mas não fique pensando que vai ser uma história de grandes acontecimentos e mistérios porque não é. É que numa vida cretina como a minha, o que aconteceu já pareceu bastante pra me deixar pensando na vida, no universo e tudo mais. Começou no dia vinte, quando estava em casa de luto porque lembrava os trinta anos da queda do Convair 240 turbo que encerrou a vida de três integrantes do Lynyrd Skynyrd. Uma legião de fãs e uma geração inteira ficaram órfãs dos vocais poderosos de Ronnie Van Zant e das guitarras de Steve Gaines. Mas o importante aqui é que trinta anos depois, um cara com um quarto de século de vida se sentia órfão também. E isso sem nem ter conhecido aquela época. Esse vazio que me deu me fez sentir triste com a época em que vivia. Eu estava lendo uma revista que indicava cinqüentas discos imperdíveis de rock. A maioria era do final dos anos sessenta e início dos setenta. Os textos falavam de uma época mágica, e me faziam olhar pela janela e ver um vazio enorme. Um sentimento de que o que era pra ser vivido já tinha passado, e que eu estava na época errada. Não gostava de nenhuma banda da atualidade (com exceção de Black Crowes e My Morning Jacket), e as músicas que deveriam me dar alguma ideologia de vida eram de uma época em que eu nem sonhava ser um espermatozóide no saco do meu pai.
Estava sentado no meu quarto e vi meu irmão passar. Pensei no que era reservado pra ele, se eu já me sentia assim. Uma garotada que gostava desde rock até axé ou pop romântico de corno. Mas o pior foi quando ele anunciou que tinha montado uma banda com os colegas. Meus pais ficaram contentes, mas eu previ a catástrofe. Eu perguntei: “O que vocês vão tocar?”. “Rock”, ele respondeu. “Mas que bandas?” “Essas tipo NX Zero, Fresno”.
Sabe aquela sensação de ficar alguns segundos sem reação, tentando assimilar as palavras? Pois é. Meu cérebro trabalhava duro pra saber se ele tinha tido a intenção de ofender o rock, ou se foi só engano. Aí me liguei no que ele tinha dito e me vi encarando o fim do mundo: meu irmão tinha virado emo. Corri pro quarto dele e falei: “Você ta brincando, né?” “Não”, ele disse bem sério e me olhando como quem desafia um inimigo antigo. “E qual vai ser o nome da banda? Dark Emoticon? Ou quem sabe Pink Death?” Me olhou firme e disse: “Vai se ferrar”. Parecia que estava mesmo tomando Uma posição. Fiquei entregue a um sentimento de desolação, mas me resignei. Pelo menos deixei um aviso: “mas vê se não chama de rock isso que vocês vão tocar”.
Sai resmungando que ele podia então ter escolhido os indies, esses new mods que pelo menos achavam que podiam voltar aos anos sessenta usando aqueles terninhos e penteados. Mas não, tinha que ser emo.
Pra mim, meu irmão sempre era um pequeno inocente porque era meio tapado pra quem tinha dezesseis anos. Ele ia sempre ser aquele jurubeba miúdo que uma noite entrou na sala e perguntou onde os pais estavam. Respondi que tinham ido jantar, mas ele ainda quis saber por que estavam demorando. Tentando me livrar logo da conversa pra poder ver o filme em paz (provavelmente Star Wars - O Império Contra-Ataca), respondi: “Acho que foram num motel depois da janta”, “Fazer o que num motel?” “O que todo mundo faz. Sexo”. E após breves segundos de silêncio: “Por que eles ainda fazem sexo se já têm dois filhos?” Foi uma pergunta calma, mas cheia de uma curiosidade assustada. Olhei pra aquela figura magricela do meu lado, e já não havia mais nada, nem filme, nem sala, nem sofá. Apenas eu e um problema. Desisti do filme, levantei, passei a mão na cabeça dele e a única coisa que consegui responder foi: “É meu rapaz. A vida é dura”.
Essa digressão foi só pra explicar que eu ainda achava meu irmão esse ser meio tapado. Só que naquele dia percebi que ele estava tomando posição na vida. Podia ser um emo, mas pelo menos era uma atitude. Daí que à noite, quando ouvi aquela naba escutando The Strokes, fui pedir que ele no mínimo escolhesse um estilo e seguisse seu caminho. E me veio com uma de ter liberdade de gostar do que fosse. Que curtia a música pela música e não por atitude. O que me fez resmungar um: “Ideologia, pra que?”
Lembrei da gurizadinha da escola onde eu trabalhava, e pra quem eu tentava ser um tipo de guru musical. Indicava músicas e bandas legais. Mas não cansava de me desapontar. Eles só sabiam baixar CD na internet e ouvir de tudo. Nenhum deles sabia como era a emoção de comprar um CD novo, sentir o cheiro do encarte, ouvir cada faixa como se fosse a primeira vez, num volume que nenhum computador alcança. Em fim, eu não conseguia transformar aquelas coisas. Mal ouviam The Who e já tinham baixado CPM 22. Fiquei pensando que não era a toa que eles não tinham mais identidade musical.
Essas foram as duas primeiras coisas estranhas que aconteceram e me abalaram. No meio dessa depressão que me bateu, me senti frustrado comigo mesmo. Me sentia bastante desolado com o fato de olhar pras minhas mãos e não ver nada que pudesse chamar de meu. Peguei o violão e tentei dedilhar algo pra me distrair, mas não resolveu. Precisava fumar e beber. Peguei o herbby e fui pro Penelope, o bar do Dumas. Na verdade, o bar mais incrível do mundo. Lá a gente encontrava de tudo. Se estivesse procurando alguém, do Keith Richards ao Papa, você achava lá. Penelope Obscura era o nome. O Dumas dizia que era o nome de uma ave que ele tinha visto no zoológico. Por mim tudo bem. De todo jeito o nome caia bem com o ambiente: obscuro. Não sou bom em descrições, mas posso dizer que era claustrofóbico, escuro, fedia a álcool etílico e cigarro e estava sempre meio vazio (o que dado o seu tamanho era o mesmo que dizer que estava sempre meio cheio).
Sentei no balcão e pedi pro Dumas se não ia rolar um especial de Lynyrd Skynyrd. Ele me olhou com cara feia e saiu. Diva, a mulher dele, que ajudava a atender no balcão, chegou pra mim e disse que ele estava assim o dia inteiro. Não tinha conseguido fechar com nenhuma banda pra tocar LS.
O Penelope tinha um palco, e algumas bandas tocavam nele. Uma delas era a nossa, mas pra meu desespero nós não tocávamos Lynyrd. Para se tocar LS é preciso três guitarras, e três bons guitarristas. Além disso, nenhuma banda com três guitarras cabia naquele palco. Se com quatro pessoas, alguém já quase ficava no público, imagine com sete. Eu disse pra Diva só botar a rolar Lynyrd no som. Ela colocou o DVD ao vivo da turnê The Vicious Cycle no telão. Bom DVD, mas... o pobre Johnny não tinha nem de longe o poder vocal do irmão, e as guitarras sem Collins e Gaines não eram a mesma coisa. Mesmo assim fiquei ali, bebendo, fumando e querendo estar no sul dos Estados Unidos na década de setenta.
Aí estão os caras, pra você que não conhece. Da esquerda pra direita: Leon Wilkeson (baixo), Billy Powel (piano), Ronnie Van Zant (vocal), Gary Rossington (guitarra), Bob Burns (bateria), Allen Collins (guitarra), Ed King (Guitarra). Essa era a formação na gravação do clássico segundo álbum de 1974, que contém Sweet Home Alabama.
Quando voltei pra casa, passei na frente do terreno baldio. Parei e desci.
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Bom, finalmente chegamos ao terreno baldio. Mas o que ele tem de especial e a continuação dos fatos ficam para uma próxima. E se você está achando que tem muita enrolação e nenhuma história aqui, acalme-se. Estamos chegando lá. Além disso, não é fácil lembrar e organizar as coisas de um passado tão "vazio", assim, não acha? Vamos dar mais um crédito a nosso amigo e ver o que ele, afinal de contas, vai nos contar. Até a próxima.
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